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sábado, 15 de setembro de 2012

MODERNISMO, SURREALISMO E MURILO MENDES – NOTAS: JOSÉ GUILHERME MERQUIOR – POEMA: CONHECIMENTO.



MERQUIOR

 

“(...) o modernismo brasileiro foi um estilo híbrido e heterogêneo, feito da convivência ou fricção de ‘estilemas’ tipicamente ‘arte moderna’. (...) Por isso mesmo é que nosso modernismo literário seria (...) um ‘complexo’ estilístico. Não foi por acaso que só pôde ter a unidade de um ‘movimento’, jamais a uniformidade de uma ‘escola’. (...).”

 

“(...) Por outro lado, porém, mesmo instintivamente é fácil perceber que há algo inadequado em encarar-se o surrealismo como um ‘estilo’. (...) Quer dizer, o projeto surreal não era, em substância, estético, mas sim de cunho, antes de tudo, existencial. (...) do ponto de vista de suas intenções originárias, patenteadas pela maioria dos seus ritos semióticos, o surrealismo não se queria um estilo a mais, e sim uma autêntica ‘revolução cultural’. (...).”

 

“(...) e não às receitas de escola, tipo ‘escrita automática’ (...). O vou-me-emborismo, o legado baudelaireano e rimbaudiano da ‘poesia da partida’, encontra em Murilo um desdobramento dialético, representado por um constante impulso de estar no mundo. (...) Em Murilo, a ruptura onírica, o transfiguracionismo visionário possuem sempre um endereço infalivelmente imanentista.”

 

“(...) ‘Murilo orienta decisivamente a mescla estilística inerente à poesia surreal’ – a tensão, no verso, entre a visão ‘problemática’ da vida e as múltiplas referências ao reino do cotidiano e do vulgar – ‘para uma ótica saturnal’. (...).”

 

“(...) Os modernismos, como é sabido, de vez em quando gostavam de fazer pipi no colo do decoro literário. A ‘distância clássica’ da imagística, a eufonia do ritmo na média da alta poesia vitoriana passaram de repente a soar tão falso, que somente hoje, com um quarto de século de permeio, recomeçamos a apreciar com isenção a ética da estética oitocentista. Nos anos heroicos da vanguarda, isso era, naturalmente, quase impossível, e Pound (com quem Murilo se entendeu muito bem) reclamava virtuoso a rejeição de toda ‘Tennysoniannes of speech’. (...).”

 

* * * * *

 

Minha nota: até hoje, muitos poetas, críticos e teóricos insistem em negar a apreciação da ética contida na estética de outros tempos, por causa de suas estéticas, gostos, preconceitos e ideologias próprias, esquecendo-se do conteúdo ético que não se aprende via ‘escolas’.

 

* * * * *

 

MURILO MENDES – CONHECIMENTO (em A Poesia em Pânico – 1937)

 

CONHECIMENTO

 

A marcha das constelações me segue até no lodo.

Estendo os braços para separar os tempos

E indico ao navio de poetas o caminho do pânico.

Quem sou eu? A sombra ambulante de meus pais até o primeiro homem,

Quem sou eu? Um cérebro deixado em pasto aos bichos,

Sou a fome de mim mesmo e de todos,

Sou o alimento dos outros,

Sou o bem encarcerado e o mal que não germina.

Sou a própria esfinge que me devora.

 

* * * * *

 

(Merquior, José Guilherme. Notas para uma Murisloscopia; e Mendes, Murilo. Poesia Completa e Prosa. Volume único. Nova Aguilar: Rio de Janeiro: 1994)

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