Por António Ramos Rosa[i]
2 – O complexo tema da comunicação
poética.
(...) Mas o que comunica a palavra
poética? (...) Muitos daqueles que, em nome da comunicação, condenam certos
poetas por ininteligíveis, ignoram a complexidade que tal pergunta envolve. Nem
sequer atendem ao facto de que a poesia sempre teve seu modo específico de
comunicar; e que assim parece legítimo inferir que as poesias, por muitas
diversas e contraditórias que as sejam, poderiam ser um ‘ser’, ou, pelo menos,
um modo de ‘ser’. (...)
A palavra poética é desintegradora
e integrante. Indetermina (ou tal ‘inexprimível’, como diria Barthes) os sentidos,
não para destruí-los, mas criar novas realidades, que representem uma nova
maneira de ser ou de estar no mundo. Não é, na verdade, contra a comunicação
que a poesia investe, quando se adensa e se indetermina, quando desintegra para
mais uma autêntica e profunda transformação, quando se enriquece e se estabelece
com novos sentidos, pois que assim segue o seu próprio destino inerente à sua
natureza linguística e à função poética que nesta se expressa; ou seja, a da
contínua translação significativa a que submete a arte poética.
Exigir-lhe, pois, a clareza
conceptual, a univocidade, o primado da denotação sobre a conotação é, sem
dúvida, mata-la. (...) Comunicação não quer dizer na poesia [uma] inteligibilidade
vazia. (...) Comunicação não quer dizer na poesia a anulação da complexidade,
ambiguidade, obscuridade constitutivas de todo o acto real, de todo acto de sua
existência. A condição humana não é transparente por si mesma e, por isso, nem
o conhecimento científico, nem qualquer concepção do mundo ou ideologia, por
mais totalizadora que seja, teria o direito de reivindicar uma definição de
poesia – não fosse uma perpétua e constante redefinição do homem que põe em causa
as demais redefinições.
[i]
ROSA, António Ramos. A poesia moderna e a interrogação do real - I. Editora
Arcádia. Lisboa: 1977.
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