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sábado, 3 de maio de 2014

A POESIA E O REAL - ANTÓNIO RAMOS ROSA 3

3. A palavra poética ou palavra no poema.

Por António Ramos Rosa[i]

Afirmava Reverdy que a imagem poética deveria ser simultaneamente justa e absurda. Uma imagem justa é um contrassenso, uma impossibilidade. A imagem poética supõe a ausência do objeto real e só poderia estabelecer com este uma relação através da mesma ausência. Tal é a distância que se traduz, na linguagem, pela distância entre o significante e o sentido. (...) A liberdade da linguagem poética (obscuridade, arbitrariedade, abertura são termos que se confundem e se equivalem como outras tantas referências a esse espaço da linguagem) não pode ser entendida senão a partir desse hiato essencial; não como uma libertação em relação a um constrangimento formal, mas, sim, como uma queda de se sonhar na própria liberdade, com o reconhecimento, inclusive, dos vazios da linguagem.

Como diz Jean-Pierre Richard, o hiato, entre a palavra e o objeto, na poesia, poderia encontrar uma tradução (mas não necessariamente) no hiato entre o significante e o sentido. Mediante essa distância supostamente instransponível, entre o significante e o sentido, cria-se um próprio espaço poético, sem anular o poema, porque da própria ausência de espaço, o poema geraria, per si, sua equivalências próprias – levando a palavra, no poema, a travar um diálogo de realidade (a conversão de ausência em presença), de um vazio em uma plenitude instantânea. Não, necessariamente, porque o hiato entre significante e sentido não dá razão à existência da palavra poética: a palavra poética, ou até mesmo os fonemas de um poema, retorna a si mesma, pela plenitude de um significante qualquer (e.g.; poema gráfico), encontrando e se identificando, vencendo a arbitrariedade dita ‘significante-sentido’, por outra arbitrariedade da arte poética, esta de sinal contrário, porque se realiza no sentido da sobreposição entre a relação significante e sentido.




[i] ROSA, António Ramos. A poesia moderna e a interrogação do real - I. Editora Arcádia. Lisboa: 1977.

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