3. A palavra poética ou palavra no poema.
Por António Ramos Rosa[i]
Afirmava Reverdy que a imagem poética deveria ser
simultaneamente justa e absurda. Uma imagem justa é um contrassenso, uma
impossibilidade. A imagem poética supõe a ausência do objeto real e só poderia
estabelecer com este uma relação através da mesma ausência. Tal é a distância
que se traduz, na linguagem, pela distância entre o significante e o sentido.
(...) A liberdade da linguagem poética (obscuridade, arbitrariedade, abertura
são termos que se confundem e se equivalem como outras tantas referências a
esse espaço da linguagem) não pode ser entendida senão a partir desse hiato
essencial; não como uma libertação em relação a um constrangimento formal, mas,
sim, como uma queda de se sonhar na própria liberdade, com o reconhecimento,
inclusive, dos vazios da linguagem.
Como diz Jean-Pierre Richard, o hiato, entre a palavra e o
objeto, na poesia, poderia encontrar uma tradução (mas não necessariamente) no
hiato entre o significante e o sentido. Mediante essa distância supostamente instransponível,
entre o significante e o sentido, cria-se um próprio espaço poético, sem anular
o poema, porque da própria ausência de espaço, o poema geraria, per si, sua equivalências próprias –
levando a palavra, no poema, a travar um diálogo de realidade (a conversão de
ausência em presença), de um vazio em uma plenitude instantânea. Não,
necessariamente, porque o hiato entre significante e sentido não dá razão à
existência da palavra poética: a palavra poética, ou até mesmo os fonemas de um
poema, retorna a si mesma, pela plenitude de um significante qualquer (e.g.;
poema gráfico), encontrando e se identificando, vencendo a arbitrariedade dita ‘significante-sentido’,
por outra arbitrariedade da arte poética, esta de sinal contrário, porque se
realiza no sentido da sobreposição entre a relação significante e sentido.
[i]
ROSA, António Ramos. A poesia moderna e a interrogação do real - I. Editora
Arcádia. Lisboa: 1977.
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