Proust – No Caminho de Swann – Trad.
Mario Quintana – 11ª Edição – p. 166
“Em breve o curso do Vivonne começava a
se obstruir de plantas aquáticas. Primeiro, havia algumas isoladas, como aquele
Nenúfar ao qual a correnteza, em que desastradamente se atravessara, tão pouco
lhe consentia que, como um barco acionado mecanicamente, só abordava uma das
margens para regressar à outra de onde viera, refazendo eternamente a dupla
travessia. Impelido pela margem, seu pedúnculo se desenrolava, alongava-se,
atingindo o extremo limite de sua tensão, até a riba onde a correnteza volvia a
colhê-lo, e então a verde cordagem se enrolava sob si mesma, e trazia de novo a
pobre planta ao que maior razão se podia denominar seu ponto de partida,
porquanto ela não se demorava ali um só segundo sem outra vez partir para outra
repetição da mesma manobra. Eu tornava a encontrá-la de passeio em passeio,
sempre na mesma situação, fazendo pensar em certos neurastênicos, em cujo
número meu avô incluía a tia Leonie, que nos oferecem, sem mudança, no curso
dos anos, o espetáculos dos hábitos esquisitos, de que cada vez eles se julgam
prestes a libertar-se e que conservam sempre; colhidos na engrenagem de suas
indisposições e manias, os esforços que inutilmente se debatem para delas sair
só servem para assegurar o funcionamento de sua dietética estranha, inelutável
e funesta. Tal era aquele Nenúfar, também semelhante a um desses infelizes
cuja singular tortura, que se repete indefinidamente por toda a eternidade,
provocava a curiosidade de Dante e cujas particularidades e causas ele
desejaria ouvir mais longamente da boca do próprio supliciado, se Virgílio,
afastando-se a longos passos, não obrigasse a alcançá-lo depressa, como eu a
meus pais.”
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